Uma livraria especializada em periferia
Saído do Itaim Paulista, Alessandro Buzo é o pioneiro no ramo da literatura marginal no Brasil
São Paulo surpreende. É plural, multicultural e se renova a cada instante. Não é por acaso que na região central da cidade, no segundo andar de um antigo prédio na rua 13 de Maio, no tradicional bairro do Bixiga, a periferia tem voz. Ali mesmo, no reduto italiano da capital paulista está estabelecida há dois anos a livraria Suburbano Convicto, unindo periferia e centro por meio da literatura.
Montagem de exposição para noite de sarau e lançamento na Livraria Suburbano Convicto – foto: Mônica Galhardo
Com apenas o primeiro grau completo e tendo sido empregado a vida toda, Alessandro Buzo, 39 anos, contrariou todos os indicativos e há quase 11 anos resolveu se tornar escritor.
Quando lançou o primeiro livro, O Trem – Baseado em Fatos Reais, através de uma edição independente, não imaginava que hoje estaria lançando sua décima obra em uma das maiores redes de livrarias do país e seria proprietário da primeira livraria especializada em literatura marginal, ou seja, em livros feitos por autores oriundos das periferias e que tratam temas também ligados ao gueto ou à margem da sociedade, daí o nome de literatura marginal, periférica, divergente ou das quebradas, o que demarca um gênero literário.
Exposição #PoucasPalavras na Livraria Suburbano Convicto – foto: Mônica Galhardo
Com cerca de mil títulos disponíveis, a Suburbano Convicto é a pioneira no Brasil no comércio de literatura periférica. Com exemplares únicos e até mesmo raros, de autores já falecidos ou de edições já esgotadas, como Pelas Periferias do Brasil, O Trem – Contestando a Versão Oficial, O Caso da Favela Naval, entre outros, a loja promove não apenas o comércio, mas encontros culturais como saraus, debates e lançamentos. Semanalmente, dezenas de pessoas passam pelo local e consomem cultura, ora de forma gratuita, ora em forma de investimento.
No entanto, o livro de caixa nem sempre é tão bonito, poético e lírico quanto as declamações que acontecem durante os saraus. Quando se tornou empresário e abandonou o emprego de carteira registrada, tendo esposa e um filho de apenas dois anos, Buzo não imaginava como seria, mas cansou-se de cumprir horários e não conseguir se dedicar ao que realmente gosta: a literatura.
Alguns dos livros disponíveis na Suburbano Convicto – foto: Mário Salata
Em tempos passados, muitas vezes sem dinheiro para comprar livros até mesmo em sebos, hoje ele orgulha-se de ser proprietário de uma livraria e microempresário. “Até hoje sigo com dificuldades financeiras, mas, um pouco mais próximo de sair do vermelho. Este ano, finalmente, devo entrar no azul”, conta o proprietário.
Embora esteja instalada há apenas dois anos no Bixiga, a Suburbano Convicto teve origem no bairro Itaim Paulista, há cinco anos. “A livraria vivia no vermelho. Eu a mantinha como meu escritório, onde recebia a imprensa que cada vez mais me procurava para falar dos meus trabalhos. Eu vivia em uma casa de dois cômodos e me incomodava recebê-los por lá. Esse foi um dos motivos de ter criado a livraria. Outro foi ter um lugar para por em destaque os meus próprios livros e de outros escritores da periferia”, lembra.
Contudo, ele não se enxerga como um empresário, uma vez que associa esta palavra a dinheiro e revela que sobrevive não apenas dos ganhos da livraria. Trabalha também como jornalista para a Rede Globo e realiza palestras por todo Brasil.
Por outro lado, reconhece-se como empreendedor. Ao ser questionado sobre o que o motiva a manter o local aberto, revela: “Eu faço parte dos escritores que queriam ter um lugar que respeitasse nossos livros, onde tivéssemos destaque. Cansei de procurar e montei o local”. Ponto para ele.
Alessanro Buzo e Tubarão Du Lixo durante Festival Literário produzido pela Suburbano Convicto – foto: Márcio Salata
Fazendo história
O rapper, poeta e geógrafo Renan Inquérito visitou a livraria antes de lançar o próprio livro #PoucasPalavras no local. Indagado sobre como se sentiu ao visitar, pela primeira vez, o local, Inquérito frisa: “Eu me senti em casa, representado, à vontade. Admiro muito a coragem e atitude dele, porque abrir um negócio é fácil, agora abrir uma livraria é como abrir um livro, abrir as asas, um movimento para liberdade”.
E é assim, com as prateleiras repletas de livros dos amigos, que Buzo faz história, tanto no que diz respeito ao empreendedorismo, como ao ineditismo. Nos dias de maior movimento, quando acontecem os saraus e atividades, as vendas não se concentram apenas nos livros, mas também em DVDs e outros produtos culturais, como camisetas, bonés, moletons e ainda na bombonière, disponível no espaço. Porém, diante de tanta novidade, os velhos hábitos de comércio ainda se fazem presente. Não é raro observar um escambo acontecer em algum canto. O próprio dono da livraria o pratica. “Ás vezes troco livros ou os pego em consignação e os autores, quando vêm buscar o dinheiro, preferem levar em mercadoria”, revela.
Montagem de exposição para noite de sarau e lançamento na Livraria Suburbano Convicto – foto: Mônica Galhardo
Pela internet, Buzo mantém um blog com postagens referentes à livraria. Por lá, faz também as vendas dos livros por meio de depósito bancário e envio via correio e é por essa facilidade de acesso pela web que a livraria já recebeu visitantes de quase todos os Estados brasileiros, já lançou autores de todas as regiões e até mesmo internacionais, como Alejandro Reyes, que em 2010 publicou e lançou no espaço o romance A rainha do Cine Roma.
Mas, há também quem apenas consuma. Como é o caso do jornalista André Digutti. Admirador da cultura hip-hop e da literatura marginal, ele conta que vai, a cada dois meses, até a livraria para se atualizar. “Costumo comprar livros, DVDs e revistas. Acho o espaço fantástico e me sinto super em casa. Comento com pessoas que não são daqui e todas ficam loucas para conhecer a livraria, porque é algo que não existe. Em outros espaços que vendem livros não nos sentimos tão a vontade assim. Eu acho o Buzo um grande empreendedor, um visionário”, destaca.
Fonte: Viva Favela