Quem?
Ultimamente tem feito tanto frio que está difícil de tirar a mão do bolso até pra pagar a passagem. Vinha eu no aquecido 803, sentado lá no tobogan, quieto, fone no ouvido e com preguiça de tirá-lo para poder registrar algum papo interessante(ou não).
Um rapaz e uma moça que voltavam do trabalho vinham falando frenéticamente do meu lado, até pensei na possibilidade disso render algum bom relato, mas o fone estava realmente aquecendo minha orelha e decidi priorizar meu estado confortável, já que uma imbecil senhora que estava em pé insistia em deixar uma janela aberta que entrava uma brisa congelante e com o discurso de que todos estávamos respirando o mesmo ar. Pura menopausa daquela velha, isso sim.
Depois de um rodízio de pessoas levantando, descendo, saltando, subindo, sentou um cara do meu lado, figuraça. Ah, e eu fui lá e fechei a porra da janela, só pra constar.
Era um senhor de aparência rústica, barba por fazer, mais ou menos uns 45 anos, quase uns 2 metros de altura, barrigudo,mas forte, casaco preto, toca preta, daquelas com a borda enrolada e curta, estilo a do Simon Adebisi, lembra? Aquele negão presidiário do seriado OZ, que saía na porrada na rebelião e a toca não caía…
Romildo parecia trabalhar como vigia em obra, galpão, sei lá, tava muito caricata…
Enfim, Romildo sentou ao meu lado, como eu sei que o nome dele é Romildo? Mais pra frente vocês vão entender.
Na verdade ele não sentou, pousou e se espalhou no banco, parecia cansado de uma jornada pesada de trabalho.
Minutos depois toca o hino do Vasco do meu lado, alto. Era o celular do cara, tranquilo, tá no crédito, Vasco tá na mídia.
Ele atende, fala algo que não ouvi direito e desliga.
Segundos depois ele puxa novamente o celular do bolso, o celular parecia uma caixa de fósforos na mão dele, e liga pra alguém. Segue o diálogo. Vou interpretar o que acho que a pessoa do outro lado estava dizendo, ok?
Romildo: “-Alou, alou!!!”
Outro lado: “Alô, quem fala?”
Romildo: “-Alou, alou!!!”
Outro lado: “Alô amigo, quem tá falando?”
Romildo: “-É o Romildo!!!”
Outro lado: “Quem?”
Romildo: “-É o Romildo, Romildo!!!”
Outro lado: “Desculpe não sei quem é não…”
Romildo: “-É o Romildo, o Romildo pô!!!”
Outro lado: “Desculpe é engano”
Romildo: “-É o Romildo, Tá lembrando não?”
Outro lado(puto): “Não, desculpe.”
Romildo: “-É o Romildo pô!, irmão da Rosângela, do seu Antônio!!!”
Outro lado(puto e querendo desligar na cara): “Não!”
Romildo: “-Cunhado da Conceição!!!”
Outro lado(puto pra cacete e querendo muito desligar na cara): “Não!!”
Romildo: “-ô Vidal, tá lembrando de mim não, cara?”
Outro lado(que não certamente não era o Vidal, puto e querendo desligar na cara): “-Amigo não me chamo Vidal, não te conheço e vou desligar, ok?”
Eu ali do lado observava Romildo nervoso, falando e olhando pro telefone bem nos olhos(como se isso fosse possível)como se o próprio aparelho pudesse identificá-lo.
Romildo suava com todo o frio que fazia.
Minhas mãos também suavam, tava todo mundo olhando pra trás e tenso, com a esperança que Romildo fosse reconhecido para seu próprio alívio.
Romildo: “-ô Vidal, você tá de brincadeira? É o Romildo cara!!!! Da esquina da rua 43 com a projetada A…”
“- A gente tirou serviço junto essa noite cara, lá na fábrica.”
Eu sinceramente já estava com pena do Romildo, sério. O olho dele lacrimejava e a sua voz começa a ficar embargada…
Romildo: “-Tu num é o Vidal? O polícia?”
Romildo meu querido, acho que se fosse você já tinha tomado um tiro por SMS e à cobrar…
Eu olhava para o lado e via um cara daquele tamanho, tentando apenas um contato telefônico com uma pessoa que supostamente ele conhecia, do outro lado os passageiros aflitos e solidários por apenas um “Oi Romildo, como vai..” de outro lado da linha.
Depois de tudo Romildo recupera sua dignidade e orgulho ergue a cabeça olha no olho de cada um dos passageiros que acompanhavam seu sofrimento e finaliza.
Romildo: “-Tudo bem amigo, acho que liguei pro Vidal errado, desculpe. Boa noite.”
Boa Romildo é assim que se faz!.
Se bem que eu acho que o cara já tinha desligado o telefone a uns 8 parágrafos atrás.
Piloto, toca o bonde que você me conhece e sabe que tô com pressa!
Partiu!