A Executiva de Realengo
A Executiva de Realengo
A galera que pega buso diariamente, sempre naquele horário, tá acostumada com as mesmas caras, as mesmas figuras tanto nas filas, quanto dentro dos coletivos, fato.
Mudam os figurinos, mas as fuças são sempre as mesmas, e muitas vezes nem o figurino muda tanto assim...
No busão que eu pego, religiosamente as 07:00 da manhã, viaja sempre aquela galera que se junta lá nos bancos do fundão pra ficar fazendo farra, normal, todo ônibus tem isso. Dia de aniversário eles arrecadam dinheiro, compram bolo, refrigerantes e penduram bolas das mais variadas cores nas barras de ferro, deixando o resto dos passageiros segurando apenas nas barras de baixo e sendo achincalhado pelas pessoas que presenciam aquele ridículo transporte desfilando pelas ruas, parece o ônibus da Priscila a Rainha do deserto, mas, como disse no início do parágrafo, normal.
Voltando ao assunto das pessoas nossas de cada dia, tinha uma menina, que pegava todo dia num ponto em Realengo. Morena, falsa magra, sempre bem vestida com tayeurs e saias justas, cabelos longos e maquiagem discreta, andava sempre com uma bolsa de papel da boticário, uma lady, parecia ter saído do programa do Roberto Justus. Viajo nessa budega a pelo menos uns 4 anos, e nunca vi essa menina puxar um assunto com ninguém, é aquela que não dá confiança.
Certa vez, vinha eu em pé conversando com meu camarada Rodrigo Papelets, rapaz trabalhador, guerreiro, todo na gentileza, dava lugar pra grávida de 3 meses, idosa de 59 anos e afins. Eis q entra a executiva de Realengo, isso dava um título de "As Brasileiras" na certa. A menina passa a roleta a parte do fundo do ônibus se cala num silêncio de cemitério, estranho que com ela nem a roleta faz barulho.
Ela se aproxima, e fica do meu lado, Papelets olha pra mim e me desloca pra direita com a força do pensamento, maldito. E com a gentileza do Profeta, declama uma poesia:
- Bom dia moça, posso segurar sua bolsa?
Ok, não era bem uma poesia, mas foi bonito, foi digno e corajoso, pois ali ninguém jamais tinha direcionado uma só palavra àquela mulher e digo mais, ninguém sequer recebeu um sorriso de volta, quem dirá uma resposta.
Mas nosso destemido e gentil personagem conseguiu um feito que talvez nem Chuck Norris...
Então a moça responde: -"Bom dia, pode sim, obrigada".
Papelets virou o rosto e novamente se posicionou como quem fosse continuar a conversar comigo, então cutuquei o desgraçado, porque ele não tinha entendido a resposta.
- "Papel, ela disse sim!!!!!!!"(pegue a porra da bolsa, idiota!)
Então ele pega a bolsa e a coloca no colo. Depois disso ele fica mudo, talvez esperando que a morena puxasse um assunto. eu fiquei por exatos 14 minutos olhando pra cara dele, e ele calado e fazia caras estranhas, como se quisesse me contar algo, e mexia as pernas como quisesse ir ao banheiro.
30 minutos depois ele pega no sono. Ingrato.
Eu como não tinha mais nada a fazer, coloquei o fone de ouvido e fui curtir um Rael da Rima.
E isso, sem contar o motorista que parecia que guiava um boi bravo, normal também.
Alguma coisa me dizia que aquilo iria dar merda em algum momento, intuição.
Então, bingo! Numa curva, a bolsa da menina que descansava no colo de Papelets se joga para o corredor do buso, nosso jovem e destemido num reflexo de Bruce Lee Roy segura a alça rapidamente, mas...
...o fundo da bolsa de papel se desprende e arremessa o conteúdo pelo corredor do coletivo em movimento.
Desvendado o segredo da bolsa do boticário...uma marmita que rolava por entre as pernas dos passageiros espalhando batatas ensopadas com salsichas, arroz, feijão e molho de tomate.
Eu tive que utilizar todo o meu conhecimento zen budista para me controlar e apenas captar o fato, enquanto Rodrigo não sabia se corria atrás da marmita ou pedia desculpas a moça mais envergonhada que torcedor vascaíno um dia depois de uma final de campeonato. Quando Papelets conseguiu resgatar a marmita, a tampa, o pano de prato e o restinho que sobrou do ex-almoço da moçoila, ele entregou o kit na mão dela, ela atravessou o corredor do ônibus puxando a cigarra e desceu no primeiro ponto que avistou.
A moça nunca mais foi vista naquele horário(e talvez em nenhum outro), Rodrigo nunca mais segurou bolsas de papel e ficou sendo motivo de chacota do pessoal do fundo do busão o resto da vida.
Piloto, acelera pra marmita não estragar!
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