Ô Júlio!
Ô Júlio!
Na van Bangu x Barra, o caos de sempre, quinze sentados e oito em pé, calor das almas e ar condicionado desligado.
Não ligo das pessoas irem em pé na van, juro que não ligo, sei que todo mundo tá atrasado e quer chegar no horário, mas tapar a janela com a bunda é o que me deixa mais puto.
Bem, de manhã eu geralmente coloco meu fone de ouvidos e começo o teletransporte, mas na altura da Mallet entra uma morena de óculos escuros maiores que tudo, saca aqueles redondos com a armação marrom? Nesse nipe. E o pior, tinha vago um bendito lugar justo atrás de mim...
Mal sentou, a morena pega o telefone e começa a falar com o suposto namorado, e justamente nessas horas que eu odeio o tal dos bônus ilimitados das operadoras...
Imagina você, 7:50 da manhã, discutindo relação numa van lotada, com meia dúzia de bundas na janela e um calor infernal?
Bem, a morena vinha reclamando a falta de atenção do sujeito lá, isso no volume 6, o nome do sujeito era Júlio, e pelo ritmo da conversa dava a impressão que ele vinha apenas concordando...
"- Julio, o que você quer do nosso relacionamento?"
"- Fala pra mim, fala?"
"- Tá querendo levar na sem-vengonhice?"
Isso foi durando a viagem inteira, meu fone não tava dando adiantando, e ao mesmo tempo eu prestava a atenção na reação dos outros passageiros.
Tinha gente que resmungava, xingava baixinho, eu tava vendo o ódio tomando conta do veículo, qualquer bom dia mal dado poderia gerar uma agressão.
Perto da Linha amarela, a morena vira bicho:
"Ô Júlio, o que faremos nesse fim de semana?"
"O quêêêê????!!!!"
"Você não me disse naaaada que iria viajar, Júlioo..."
"Só temos o fim de semana e você vai viajar a trabalho??"
Daí notava-se que Júlio queria abandonar o Titanic...
E o povo da van resmungava, a interatividade era instantânea..
"- Boa Júlio!"
"- Isso mesmo! Vai com Deus!"
"- Vai sim Júlio, vive a sua vida..."
A doida começa a berrar com Júlio ao telefone, como se o sujeito tivesse ali...
Eu tava visualizando a pancadaria na van, 53 minutos de conversa ao telefone, numa van lotada, trânsito tenso e um assunto que não interessava a ninguém.
Quando entramos na Av. Ayrton Senna, o cobrador da van como de praxe, pergunta se os passageiros vão descer nos seguintes pontos:
"- Alguém no Via Parque?"
"- Aeroporto?"
"- Prefeitura?"
Ninguém se manifestou, silêncio total, só a doida ainda berrando com o Júlio ao telefone.
O cobrador diz:
"- Então vou cortar hein!"
Ele corta caminho por trás do Terra Encantada e desemboca no Barra Shopping.
Quando o motorista faz o retorno por trás do Terra Encantada, a doida diz:
"-Pera aí Júlio, opa, motoriiissta! Que caminho é esse?"
"- Vc não vai passar na prefeitura não? Eu vou ficar lá!"
Olha, desde o "Fora Collor" eu não via uma manifestação popular tão homogênea, três fileiras da van se levantaram meio que se ajoelharam nos bancos olhando pra trás e berrando numa só voz:
" - DAAANEEE-SSSEEEE!!!! Vai a pééééé!!!"
"-Mal educaaada!"
Uma senhorinha, casaquinho de lã, a típica vó que serve biscoito de maizena com manteiga e café pras visitas vira e fala assim:
" - É por isso que Júlio não te quer!!!! Tú é muito chata!"
Depois disso foi um massacre, a morena pega o telefone, Júlio, teoricamente ainda na linha, se despede e ela desce na pose, tendo que andar kilômetros pra ir onde ela queria...
Minha paciência ali tinha sido vingada por esse povo brasileiro que luta pelos seus ideiais.
Segue a viagem porque eu tô atrasado.
Visite o site do autor: