Preparado psicologicamente
Preparado psicologicamente
Voltando de Sta. Cruz, faço sinal pro 870 que faz a linha Bangu x Sepetiba, o microônibus pára e eu subo, antes de passar a roleta o motorista diz:
- Senta aqui na frente.
Estranhei, olhei pra fuça do sujeito, e vi que era Bruno, um conhecido de infância meu.
Nesses microônibus só tem esse lugar na frente, meio que ao lado do motorista, guardei meu cartão(economizando assim meus suados R$ 2,35) e sentei ali, e fomos conversando.
Conheço o moleque desde pequeno, vínhamos falando de tudo e todos, ele vinha empolgado, narrando sua felicidade em ter adquirido seu imóvel.
Quando entramos na pista principal, Av. Cesário de Melo, uma pista que vai de Campo Grande até Sta. Cruz, via expressa de mão dupla, e muitas vezes tripla.
Via cercada por favelas, ae já viu né? Molecada correndo atrás de pipa, de bola, gente de bicicleta, cachorro, bêbado, mendigo, tudo o que se imagina.
Bruno empolgadão, vem a uns 80 por hora, rindo e mascando chiclete, enquanto eu vinha tenso e segurando no banco.
Um cachorro quase virou panqueca, e foi aí que Bruno fez a seguinte revelação:
Bruno: - Essa pista é foda, aqui todo dia morre gente, todo dia a gente atropela um, não tem como.
Bruno: - Eu ainda não peguei ninguém, mas lá na empresa, a maioria já matou. É molecada que atravessa sem ver, é gente que corre atrás de outra condução e atravessa na frente. É tudo.
Bem, eu, torcendo pra não ver ninguém colado ao parabrisas, claro. A visão ali na frente é assustadora, me sentia uma bola de boliche pronto pra um strike.
E ele vinha falando na maior naturalidade.
Bruno: Cara, eu já tô preparado psicologicamente pra isso, não sei quando vai acontecer, mas sei que vai um dia.
E eu, tava pensando em descer, e quem sabe ir a pé.
Bruno freia e compra um chocolate pra nós dois.
Fiquei mais tenso e nervoso, porque teria que soltar uma das mãos para poder abrir a embalagem.
Eu não tinha perguntas, e também não sabia como responder, apenas balançava a cabeça, sabe aqueles cachorrinhos que ficam em cima dos painéis dos carros? Aqueles que vendem em camelô que tem o pescoço mole? Naquele momento eu era um deles.
Depois de um tempo, foi chegando em bangu, e eu fiquei mais tranquilo, porque por ali eu sabia que não morriam pessoas todos os dias, ali eu conheço.
Chegando meu ponto, comprimentei o amigo, desejei sorte, e desci comemorando a minha.
Estou bem.
Visite o site do autor: