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Rai Campos ''Raiz'' Natureza e visibilidade indígena estampadas em passagens abandonadas

Conheçam um pouco mais sobre o segundo contemplado na área de Arte Visual de Rua na 64ª edição do Prêmio Fundação Bunge, na categoria Juventude

Baiano de nascimento, cresceu em Manaus devido à mudança de emprego do pai, na Vila Pitinga, dentro de uma reserva indígena, onde começou seu primeiro contato com o tipo de cultura. Já grande, depois de pintar alguns viadutos por Manaus, Raiz foi abordado por um indígena, de quem ouviu a melhor crítica que poderia desejar. "Eu não me vejo nos outdoors, eu não me vejo nas propagandas de dentista, nem nas revistas, nem nos jornais, que só falam mal da gente. Mas agora eu me vejo nos seus murais", disse o indígena ao grafiteiro. "Essa história até hoje está comigo e mantém o meu foco em pintar, pesquisar e dar voz a esses povos, que de fato não estão inseridos na sociedade", relembra o jovem de 28 anos.

 

Como conheceu o Graffiti e quando isso aconteceu?

Conheci o grafite pelo meu pai, quem tinha o hobby da pintura. Mas foi aos 11 anos eu vi uma primeira revista de skate dentro da vila que morava, o que não era muito comum por lá, pois era uma reserva indígena. Na revista vi uma pista de skate cheia de grafite e aquilo me chamou muita atenção e, desde aquele momento, eu já sabia que queria fazer aquilo. Nunca, de fato, tinha pensado em viver do grafite assim como o que eu via nas revistas, mas acabei abandonando a faculdade de engenharia para me dedicar ao grafite. Tentei, inclusive, fazer outras coisas da minha vida, trabalhando com computador, reforço de inglês e matérias, mas depois de 2011 resolvi me dedicar integralmente ao grafite, estudando e respirando isso porque eu senti que era realmente o meu caminho.


Baiano, trabalhando com temática indígena e usando técnica do Graffiti... Já foi discriminado por algum desses motivos?

Discriminado somos sempre, procuro não focar nesse assunto porque todo mundo é ou já foi algum dia. Ninguém agrada todo mundo e nem Jesus Cristo agradou, imagina eu. O que eu me foco é que eu sou baiano, mas fui criado na Amazônia, trabalho com temática indígena pois é onde fui criado, dentro de uma reserva indígena, e uso a técnica do grafite porque é a arte contemporânea, pinto o que está na contemporaneidade do meu povo.


A partir de que momento você decidiu que o tema principal do seu trabalho seria sobre os índios?

A partir do momento em que viajei, em 2013, e rodei o Brasil inteiro, percebendo que todas as culturas pintam suas próprias culturas. Fui na Bahia, os baianos pintam a Bahia; fui na Paraíba, os paraibanos pintam a Paraíba; fui no Rio de Janeiro, os cariocas pintam o Rio. Eu sou da Amazônia e vou pintar a Amazônia, principalmente aqueles que a criaram, cuidam dela e fazem com que ela tenha todos os recursos que tem até hoje.

Em Manaus tem outros artistas que também abordam a temática indígena nos trabalhos, como você enxerga esse cenário em específico?

Cada um vai pintar a sua região. Van Gogh pintava a sua região, Da Vinci pintava a sua região, e nós do Amazonas vamos pintar a nossa região da mesma forma. E isso é muito "massa", lindo, torna único e verdadeiro. Vejo gente de fora pintando e fica tudo muito estereotipado, mas nós que somos locais conhecemos nossa cultura, sabemos dos detalhes e tudo o que a engloba, então fica muita mais legal na hora de pintar a cena.

 

Como seus trabalhos são recebidos em lugares mais frios, como as grandes cidades?

Sempre foi muito bem recebido, sempre recebi o calor. Eu passei a ter um pensamento de que a gente é luz e iluminamos aonde vamos. E tento levar essa luz por onde for, não tem escuridão que domine. Por onde for eu vou levá-la, seja aqui, seja lá fora, vou tentando levar a mensagem verdadeira para todo mundo.


Quais técnicas você mais gosta de utilizar em suas criações?

Uso muitas técnicas, desde a preparação do esboço até a aplicação do desenho para a arte do grafite. Se for muito grande usamos a tinta acrílica, rolo, pincel, mas a gente usa bastante spray mesmo.

 
Quando você pinta, deixa nas ruas muito mais que um Graffiti. Como você se sente deixando um pedacinho da sua vivência e cultura para outras pessoas que, talvez nunca teve esse mesmo contato com índios e a natureza?

Quando pinto eu busco trazer essa conexão com a natureza porque eu sinto que as pessoas estão bem desconectadas mesmo, mesmo, mesmo, acreditando cada vez mais nas coisas sólidas e materiais, deixando de lado as coisas invisíveis, que nos fortalecem. E é por isso que há tantas doenças do século, como depressão, entre outras, porque as pessoas estão realmente desconectadas daquilo que realmente são. Nenhum ser humano nasceu para esta em uma caixa quadrada com ar condicionado, buscando um mundo virtual que não existe. A gente nasceu para estar na vida real. A vida são relações e vida real. E o grafite é isso: conecta pessoas.


Em seus trabalhos, você representa algum grupo indígena em específico, ou pensa no povo indígena de uma forma geral?

No começo, talvez, eu tenha me inspirado no grupo indígena que eu fui criado, o Waimiri Atroari, mas depois fui conhecendo diversas outras etnias indígenas e senti a necessidade de representá-los porque o mais fascinante é que nenhuma delas é igual. Os índios são acostumados com a diversidade desde sempre, a nossa sociedade que tentou padronizar tudo, mas eles sabem que a diversidade é bonita, legal, e é o que nos torna únicos no mundo. Comecei a pintar um povo, outro, depois fora, e a minha intenção é pintar os povos do mundo todo pois são pessoas que cuidaram da terra para que tivéssemos esses recursos que temos até hoje.

 Qual é a reação dos indígenas quando eles se veem em suas pinturas?

É meio complexo falar isso pois são muitos povos indígenas e a reação sempre é muito boa. Uma vez estava em uma tribo indígena e fui fazer um grafite e eles se impressionaram como eu consegui fazer um desenho tão realista com spray. E eu percebi que eles me admiravam por isso, logo eu que admirava a cultura deles. Então percebi que essa é a troca, eles não vão me discriminar porque eu uso spray dentro do mato e nem nada. Eles admiram toda diferença e talento de cada um.

Você foi um dos contemplados na 64ª edição do Prêmio Fundação Bunge. O que isso representa para você?

Eu nunca fiz o que faço para ganhar prêmio algum, por isso, me sinto muito feliz e reconhecido. A minha luta é verdadeira, meu trabalho vem da floresta, tem uma mensagem a passar e o povo precisa escutar mesmo. Então se essa homenagem veio é para fazer que o trabalho chegue cada vez mais longe, da Fundação Bunge em diante, para que a gente possa se unir em prol da Amazônia, porque se você queima a Amazônia você queima São Paulo, queima Washington, queima Berlim, queima o mundo todo. Então a mensagem mais importante é essa: construirmos uma nova consciência, um mundo novo, criar laços, relações.