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Paulo Ito e a arte de rua como ferramenta de crítica social.

Trocamos umas ideias com o recém contemplado na 64ª edição do Prêmio Fundação Bunge na Categoria "Vida e Obra"

Bacharel em educação artística e muito consciente do seu papel como artista e crítico social, Paulo Ito expressa seus pensamentos pelos muros das cidades por onde passa, através dos seus desenhos que hoje são facilmente reconhecidos. Paulo optou por seguir um caminho mais espinhoso dentro das artes urbanas que é justamente falar o que tem que ser dito e não aquilo que querem ouvir e como ele mesmo disse, a liberdade tem um preço muito alto e o Paulo está disposto a pagar. Abaixo vocês poderão ler e ver alguns vídeos e fotos do artista e suas obras e assim conhecer um pouco mais sobre esse talentoso artista da cena urbana brasileira.

Como se deu seu primeiro contato com a arte de rua e em específico com o Graffiti?

Meu primeiro contato foi puramente pela observação nas ruas. Aos 10 anos conheci também por acaso o John Howard pelas ruas, mas nunca imaginei que fosse realmente seguir nesse ofício. Depois, o primeiro contato prático foi no campo da Unicamp, quando eu e outros amigos criamos um grupo chamado Demi Root, quando começamos a pintar dentro do campus da universidade. Na época, fazíamos sem autorização e sem spray. Começamos a chamar de grafite mesmo no ano de 2000, em São Paulo, já em contato com outros grafiteiros.

Seu trabalho vem de uma pegada oldschool do graffiti brasileiro, com personagens e traços característicos seus. Como chegou no seu estilo de pintura?

Eu não enxergo o meu trabalho sendo exatamente oldschool. O termo do grafite com influencias do hip-hop veio em outra geração, da geração do Speto, Tinho... Então eu sou de uma geração bem depois, já nos anos 2000, por isso, meu estilo de pintura passou por diversas influências, desde a maneira de fazer – comecei com os traços mais finos, depois segui para os mais grossos, fui pintando só com tinta branca e rolo por um certo momento... No fim, voltei mais para o traço mais fino naturalmente.

Alguns artistas reivindicam que eu tenha uma influência exagerada deles, o que é uma colocação errada, pois, se analisarmos, é uma técnica cara ao desenho e eu sempre fui desenhista, então é natural que eu tenha ido para o traço mais fino.

Por outro lado, eu comecei a fazer aerografia (processo de pintura onde se misturam o ar e a tinta, produzindo um jato), em 1997, e isso tem bastante a ver com traços mais finos. E é um estilo mais econômico. Eu sou uma pessoa mais econômica e não gosto dos excessos.

Sua arte tem um apelo sócio-político muito grande. Quando você se deu conta de que era necessário tratar desses temas em suportes tão democráticos como os muros da cidade?

Eu sempre fui muito do contra e questionador. Quando comecei a pintar, em 2000, eu estava fazendo uma coisa bem mais leve, mais experimental; enquanto outros colegas estavam tentando fazer algo mais dentro do hip-hop, seguindo uma tradição, com traços sem que a tinta escorresse, um sombreamento mais linear... Já nós estávamos quebrando as paredes com martelo, jogando a tinta diretamente no muro, usando pinceis, contrariando a lógica de gênero dentro da arte de rua.

Na época, os caras pintavam figuras masculinas, com cores menos saturadas, já as mulheres pintavam em cores mais sutis, leves e retratavam figuras femininas. No meio disso, eu contrariava a lógica de gênero dentro da arte de rua, quando comecei a pintar figuras femininas e a usar tons de rosas, lilás, laranja e cores pasteis.

Então eu sempre fui do contra. Descobri que eu achava muitas coisas reprováveis no mundo e na minha própria pessoa, então comecei a fazer esta crítica na rua e no meu trabalho. Existe, claro, liberdade, mas é bastante árduo um artista ser completamente livre, se você está à frente do seu tempo ninguém entende. Então eu percebi que na arte de rua eu podia ser mais livre sem que ninguém viesse falar o que eu devo fazer ou não, e a liberdade para mim sempre foi muito cara em comparação com as pessoas que querem seguir uma lógica e agradar a todos – o que não é o meu caso.


Por conta dos temas polêmicos, em algum momento você já sofreu alguma represália durante a pintura?

Eu já sofri ameaças e recebi xingamentos, mas não é algo rotineiro. Já escutamos muito mais do que hoje em dia, acredito que as pessoas já se acostumaram. Em alguns momentos, passam de carro gritando, xingando... Mas esses cidadãos fascistas geralmente não descem do carro, é como uma criança que toca a campainha e sai correndo, porque logicamente o embate de ideias é mais frágil, eles têm uma ideia muito superficial das coisas e são levados pela emoção, não batendo de frente.

Houve um episódio de um cara mais conservador que veio falar comigo e defendeu suas ideias de uma maneira mais inteligente e estruturada. Embora ele não tenha me convencido muito e nem eu a ele, foi um episódio extremamente gratificante.

Como é para você estar pintando principalmente sobre realidade social brasileira, num momento como o que estamos passando, de avanço rumo a ditadura e conservadorismo extremo?

Não sei se chegaremos ao ponto da ditadura, mas existe mesmo uma paixão pela força. Acho que existem muitas pessoas que gostam de obedecer, pode existir um pouco de necessidade de submissão. Temos que entender que é uma multidão ruidosa que gosta de expressar a sua raiva e tentam usar argumentos de comparação como se os valores de todos fossem os mesmos, claro, o que é uma grande hipocrisia. Isso me dá força para continuar o que eu faço.

Hoje quando falamos em Graffiti de protesto, seu nome está entre os mais citados e isso te torna uma grande referência no cenário. Como é para você ser reconhecido como uma referência nesse segmento?

Acho que o meu nome é forte dentro da cena. O grande público prefere uma mentira conveniente do que uma verdade convincente, então os grandes ícones são as pessoas que fazem uma arte cafuné, que passam a mão na cabeça e dizem "está tudo bem" artisticamente. É como se eu preferisse assistir uma comédia romântica com a minha namorada para relaxar e rir, mas sabendo que é idiota, que tem outras questões por trás. As pessoas confundem o que é arte.

A sua luta através da crítica social te guiou a ser contemplado na 64ª edição do Prêmio Fundação Bunge na Categoria "Vida e Obra". Como você reagiu a essa conquista?

Eu fiquei muito surpreso, na verdade. Geralmente mando materiais e meu currículo sem acreditar muito no que pode dar. Ainda continuo surpreso. Como eu digo, a liberdade é muito cara, às vezes você vê um artista reclamando de um trabalho fazendo um trabalho muito fácil de agradar... Para mim, eu sinto que eu tenho que fazer o dobro, não basta a ideia ser boa, tem que estar tudo bem acabado para chamar a atenção. Porque as pessoas não querem olhar algo que aponte a realidade, elas querem olhar algo que aponte para a fantasia, para isso existe a ficção. Existe uma série de dificuldades. Mas fiquei especialmente feliz por ser "Vida e Obra" justamente porque a minha vida e obra estão juntas, não estou mudando a minha vida com a minha obra, para ficar milionário ou coisa do tipo. Isso não importa.

Fotos: Acervo do artista
Vídeos: Youtube