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Entrevista Chuck D, (Public Enemy)

Entrevista Chuck D, (Public Enemy)

 

A algum tempo atrás foi lançado o livro “How To Rap: The Art and Science of the Hip Hop MC” (Como fazer rap: A arte e ciência do MC de Hip Hop), livro que aborda mais de 104 emcees e desvenda técnicas de composição, explica como funciona a levada (flow), entre outras coisas.

 Chuck D, Public Enemy, que recentemente fez uma participação na faixa "Transformação" do disco "Causa e Efeito" do MV Bill, foi um dos entrevistados e logo abaixo temos a entrevista na íntegra feita pelo autor do livro, Paul Edwards, onde ele fala sobre composição, levada, performance ao vivo e divide um pouco da sua experiência. Vale a pena ler, seja você emcee ou admirador de rap.

 

How To Rap – Como você aprendeu a fazer rap?

 

Chuck D: Eu não sei se eu realmente ‘aprendi’ a fazer rap, a única coisa que sei é houve um tempo em que não existia Rap na música. Quando eu estava crescendo tínhamos os Last Poets e James Brown.

Depois eu me animei ao saber sobre alguns caras do Bronx que estavam fazendo essas fitas (fita k7), e fiquei intrigado com o ritmo e com a maneira deles apresentarem seus raps. Daquele dia em diante ,eu meio que imitei o que ouvia,  gostava dos caras que tinham grandes/boas vozes como o (Grandmaster) Melle Mel. Eu os achava incríveis, inacreditáveis, então eu  segui o estilo desses caras por algum tempo e mais tarde descobri e inventei o meu.

  

HTR – Você chegou a memorizar letras de outras pessoas?

 

CD: Sim, caras como DJ Hollywood, Eddie Cheeba e pessoas do gênero, eu os achava muito bons e gostava do jeito que faziam tudo.

 

HTR – Você treinou muito a escrita antes de se sentir bom o suficiente para se apresentar perante ao público, ou gravar alguma coisa?

CD: Na verdade não, eu sempre fui uma pessoa artística. Sempre fui bom com as artes: desenhar, pintar e coisas do tipo. Eu  lembro que queria me tornar um locutor de esportes ou comentarista, então o uso da minha voz veio primeiramente daí.

 

HTR – Quando escreve, você tem um processo esquematizado (algo como uma fórmula)?

 

CD: O jeito que eu mais gosto de escrever é bolando o título antes de tudo, para depois criar e trabalhar o resto.

 

HTR – Você escreve tudo no papel?

 

CD: Eu gostaria, mas o computador tem me ajudado muito nos últimos 10 anos. Eu escrevo no papel, mas depois arrumo tudo no computador.

 

HTR – Você alguma vez  ‘escreve’ ou já ‘escreveu’ de memória? (escreve a letra na mente)

 

CD: Não e sinceramente acho que esse é um processo muito desleixado. Eu acho que você até pode fazer algo brincalhão e frívolo desta forma, mas se  quer fazer algo que tenha alguma substância ou algum conteúdo e que fique por aí, na mente das pessoas,  por um bom tempo, por experiência própria, deve ser escrever antes.

HTR – De onde vem a maioria de suas idéias?

 

CD: Do mundo, das vizinhanças e áreas à minha volta. Existe um mundo imenso que circunda cada um de nós.

 

HTR – Você acha que ter um vocabulário vasto ajuda?

 

CD: Bem, você está usando palavras, certo?  Então não importa em que idioma esteja rimando, é sempre de grande ajuda saber o maior número de palavras que puder. As palavras são a sua artilharia.

 

HTR – Pois é, mas você acha que pode ficar muito além do que o público pode entender se ficar muito complexo?

 

CD: É, bem, você pode até ficar além de alguns, mas acertar outras mentes. Acho que não deve existir tanta preocupação com as outras pessoas o tempo todo, algumas vezes o importante mesmo é fazer o que você sente.

  

HTR – Você pesquisa informações para as suas letras?

 

CD: Eu acho que faz sentido pesquisar sobre os fatos se você vai falar sobre alguma coisa profunda. É preciso prestar atenção no que se está falando então a pesquisa tem que vir de várias fontes. Eu acho que é fundamental poder provar intelectualmente ou academicamente o que se diz. É algo inteligente a se fazer, se você quer ser inteligente no que faz.

 

HTR – Você acha que um número maior de emcees deveriam abordar tópicos mais importantes?

 

CD: Bom, eu acho que é burrice uma pessoa de 40 anos não abordar assuntos que estão presentes na mente de um cara de 40 anos. Se uma pessoa com 40 anos está tentando adivinhar o que se passa na cabeça de um cara de 20……me diga, o quanto você quer ouvir esta pessoa?

 

HTR – Você acha que o Hip Hop vai voltar a ser mais político?

 

CD: Já está, isso depende de o que você está procurando e onde você está procurando. Eu acho que lugares como myspace e Youtube, e todos os similares na internet, tornam possível descobrir um grande número de pessoas novas fazendo o que acham importante.

 

HTR – Você acha que o movimento vai se tornar mais político de novo, no nível do mainstream?

 

CD: Eu não posso fazer essa previsão – o mainstream tem um monte de coisas diferentes acontecendo com ele, coisas das quais eu tento me manter longe ou alheio. Tentar prever isso é como tentar prever o tempo, e eu não sou um bom homem do tempo.

 

HTR – Você gosta de ter um conceito planejado antes de começar a escrever…..você mencionou que gosta de começar pelo título?

 

CD: Sim, com um título você consegue preencher as lacunas e ter uma conversa clara sobre o que está falando. O que eu quero dizer é, como você pode ter uma conversa clara sobre alguma coisa, se você não sabe sobre o que está falando?

Eu acho que em grande parte das vezes, o problema com os rappers é que eles não se escutam. Esse é um grande problema com a música Rap no momento – eles ouvem só o que faz sucesso, mas eles não se escutam. É mesma coisa que alguém falar o tempo todo e nunca parar para escutar os outros.

 

 

HTR – Você alguma vez começa a escrever sem ter um conceito ou idéia formada previamente?

 

CD: Letras, algumas vezes, simplesmente aparecem na minha cabeça. Ás vezes um grande pensamento ou grande idéia surge na minha cabeça, e eu quero construir uma letra a partir daquilo. Meu segredo é sempre anotar esse pensamento porque existe uma grande chance de eu perde-lo. Escrever as coisas, muita vezes, me salva.

 

HTR – Você tem algum modo particular de escrever a levada (o flow)?

 

CD: Eu tenho alguns modos, sim. Ás vezes escrevo uma linha por barra (per bar) ou faço um bom mapeamento onde eu anoto na página um monte de idéias diferentes.

 

HTR – É difícil rimar e fazer sentido ao mesmo tempo?

 

CD: Sim, é sim. Apesar disso, algumas vezes você não precisa rimar, algumas vezes você pode escrever algo profundo e não rimar, mas colocar uma palavra de terminação similar.

  

 

HTR – Quanto tempo você leva, em média, para escrever uma letra?

 

CD: Depende, algumas vêm rápido e outras aparecem durante um ano. Algumas vezes a coisa flui melhor quando demora mais , ás vezes o resultado fica melhor quando é rápido. A músida “Harder Than You Think” (do álbum “How You Sell Soul To a Souless People Who Sold Their Soul” , do Public Enemy) foi totalmente inspirada na música (instrumental) para que a letra pudesse ser escrita rapidamente, então ‘Harder Than You Think’ é provavelmente a música que escrevi mais rápido e provavelmente a música mais rápida para executar também.

 

HTR – Você gosta de escrever para o beat/instrumental que irá usar na música terminada?

 

CD: Ás vezes é possível escrever para o instrumental, ás vezes as palavras tem o seu próprio som e andamento.

 

HTR – Os produtores com quem você trabalha tem alguma interferência nos seus trabalhos?

 

CD: Sim, toda música que já escrevi foi colaborativa.

 

HTR – O seu jeito de escrever mudou desde que você começou?

CD: Sim, como um escritor você tem que saber mexer e lidar com várias técnicas diferentes. Sempre procurei fazer isso.

 

HTR – Você costuma usar a maioria das rimas que escreve?

 

CD: Eu tento. Estou sempre escrevendo então sempre vai existir alguma coisa que eu não vou usar, mas que posso aproveitar para alguma outra coisa.

 

HTR – O que é mais importante: o assunto abordado ou a levada?

CD: Eu acho que estas duas coisas estão pau a pau. Quando você está lendo palavras diretamente do papel, elas talvez não tenham a levada necessária, mas podem ter longevidade. E ás vezes você ouve algo e talvez nunca precise ler as palavras para entender, e aí você descobre que a levada também pode ser longeva. A levada tem mais a ver com a habilidade vocal, e as palavras tem mais a ver com a habilidade de escrita.

 

HTR – Se alguém tiver uma levada muito boa, isso pode chegar a compensar o fato de esta mesma pessoa não ser muito boa em abordar assuntos?

CD: Até pode, mas sempre por um período curto de tempo. Depois de um tempo vai ser tipo: “Okay o que mais você tem a oferecer? Ou, o que podemos fazer com isso?”

 

HTR – Foi um processo diferente quando Paris escreveu o seu álbum “Rebirth Of Nation”?

 

CD: Foi um pouco diferente, mas ele escreveu de uma forma que se assimilou a trabalhos que eu já tinha feito. Ele teve uma grande profundidade quando escreveu aquelas palavras e quando ele compôs a levada, se baseou no que eu já tinha feito. Ele definiu uma guia vocal para ser seguida – o jeito com que ele construiu tudo foi praticamente uma ciência, ele é tipo uma cientista/músico.

 

HTR – Com “Black Steel In Hour of Chaos”, você planejou a história antes, ou você foi construindo tudo conforme o processo avançava?

CD: Eu fiz conforme o trabalho ia andando. Algumas vezes eu escrevo uma idéia em algum lugar, e depois encaixo em algum tipo de levada poética.

 

HTR – Você memoriza a letra antes de gravar?

 

CD: Algumas vezes memorizo – é bem legal ter ela memorizada porque você pode brincar mais com ela. Com algumas coisas que eu tenho memorizadas, consigo criar e inventar vários tipos de entonação que talvez não conseguisse se estivesse lendo.

 

HTR – Você planeja quando e onde você vai respirar na faixa, para que você não perca o fôlego?

 

CD: Isso acontece enquanto eu escrevo. Quando se está escrevendo as palavras, você sabe o que é uma impossibilidade e o que é uma possibilidade. Então, se você precisa respirar e tem uma palavra comendo a outra, você provavelmente vai  ter que optar entre respirar e concluir o pensamento.

 

 

HTR – Você acha muito importante ter uma voz que se destaque?

 

CD: Eu acho, mas só posso falar por eu mesmo porque tenho uma voz diferente – se você tem uma voz que se distingue das outras não importa que idioma fale, você vai atrair atenção. Eu só conheço o inglês, mas digamos que eu vá para uma parte da Espanha onde eles só falam e entendem espanhol, a levada e a presença vocal vão se tornar prioridade.

 

HTR – Alguém que não tem uma boa voz pode se virar, se for um compositor muito bom?

CD: Ele  deve ser  um grande escritor, e em termos de performance pode até se tornar um bom performer, mas vai precisar de muito mais treino, dedicação e trabalho para superar um cara que tem apenas uma grande voz.

 

HTR – O que você acha que faz uma performance ao vivo ser boa?

 

CD: Projeção, convicção, crença naquilo que você está dizendo, confiança. A melhor performance é aquela em que você está falando com um público que não acredita muito no seu trabalho ou simplesmente não se importa ,e por isso não se esforça para prestar atenção, e no fim da sua apresentação  você fez este mesmo público entender o que você quis dizer, a mensagem que queria passar.

 

HTR – O que você acha dos emcees atuais se comparados com os emcees mais antigos?

 

CD: Eu acho que os emcees de hoje em dia estão tentando descobrir como serem similares uns aos outros, e os emcees mais antigos sempre tentaram descobrir como serem diferentes um dos outros.