A boa é ir pela Estrada do Urubu
Manhã fria de primavera, friozinho daqueles que se você veste o casaco fica com calor, se não veste fica incomodado com a brisa.
Eu, cumprindo meu ritual diário de esperar o coletivo para ir ao trabalho, chego no ponto de ônibus na disposição de sempre.
Fazia dias que não chegava tão cedo ao ponto, acordei na disposição, pensei em dar uma corrida, mas ficou só no pensamento mesmo, não tenho tanta disposição assim também, né?
Fiquei ali torcendo para que viesse um ônibus confortável, vazio e com 44 virgens sentadas e 22 em pé exalando perfume de lavanda e jogando lírios em mim, quando me deparo com a van fazendo a curva já meio empenada se aproximando do ponto, triste fim de sonho.
Mas beleza, brasileiro é otimista e encara tudo no bom humor, fiz sinal, e o cobrador com meio corpo pra fora da maldita berra na minha cara:
“Estaçãodebangupadremiguelrealengomalletsulacaptaquaracidadededeusgardêniabarrashoppingdantááuuu!
Pensei cá com meus zíperes:
-“Eu sei amigo, pego esta merda todo dia…”
Embarquei, e procurando por um lugar confortável, se isso fosse possível, só tinha um único lugar no último banco, láááátrááásss,,,
É uma droga quando só tem aquele, porque sempre rola um desconforto pra chegar até ele, você nunca sabe se passa de costas ou de frente pra galera que tá sentada, você sempre pisa no pé de alguém, sua mochila sempre rala na cara das pessoas, e imagine isso tudo com a van em movimento? Delícia!
Estacionei meu traseiro no banco, e seguimos lindamente para a nossa jornada matinal.
As pessoas que faziam sinal, o trocador já avisava antes delas subirem:
“- Ó, vô passá na CDD não! Tudo parado lá!”
Fechei os pulsos comemorei! Afinal essa bandalha ia me economizar preciosos minutos na chegada.
O piloto pelo Nextel ia pegando as instruções com os companheiros mais adiantados.
– ” Fala meu mano, na escuta?”
O mano dele:
-“Fala tu, meu parça!”
Piloto:
-“Como tá a pista?”
O mano dele:
-“Xii mano, tudo parado, a boa é ir pela Estrada do Urubu…”
Piloto:
-“Tranquilidade, é nóiz!”
O mano dele:
-“Já é, já é…”
Eu nunca entendi esse tipo de diálogo, na verdade tenho uma teoria pro “Já é”, ao meu ver ele serve pra perguntas, pra respostas, pra nada e pra tudo. Outro dia explico.
Botei um reggae no Ipod pra relaxar e apaguei, chegando em Curicica acordo com o motorista reclamando:
-” Esse carro tá esquentando…”
E segue viagem, muito carro na rua, sexta feira é zica!
Chegamos na Estrada do Urubu, é uma pista longa que vai de Curicica a Barra beirando um rio/valão até o Condomínio Rio 2.
Trânsito lento, chuva fina e a van parada atrás de um táxi, eu distraído trocando de música e vendo se conseguia um Wifi zero oito bola bola dos condomínios, escuto um seco e singelo grito:
-FOGOOOOOOO!!!!
Pensei: -“Maldito Loco Abreu, o cara faz gol até de manhã!”
Quando olho pra frente, uma labareda cobria o vidro, saindo pelo capot…o motorista já tinha partido fazia tempo, aliás acho que foi ele quem gritou…
O trocador tentava abrir a porta enlouquecido, enquanto as pessoas mais enlouquecidas ainda tentavam sair(com a porta fechada mesmo).
Eu como era o último do banco, pensei e me ajeitar e morrer com dignidade, consertei a gola do blusão, ajeitei as calças (porque ninguém merece morrer pagando cofrinho né?), pensei até em entoar uma canção de despedida, mas desisti de tudo rapidamente e iniciei minha fuga também.
As pessoas se amontoavam na porta tentando sair, quando a porta abriu elas se arremessaram em direção ao alfalto molhado. Engraçado foi ver que algumas delas continuaram a correr mesmo depois de sair como se a van fosse explodir, tipo Mercenários, saca?
Assim como o grande Houdini, consegui escapar ileso e percebi que o motorista já havia apagado as chamas com a ajuda do taxista, mesmo com as pessoas lá dentro ainda.
Ficamos mais uma hora esperando outra vir socorrer os desabrigados, e comentando o acontecido.
E a boa era a Estrada do Urubu…