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Violento é a fome – a contracultura periférica (Por @jhon.conceito)

Jhon Conceito

Mais um texto especial do Jhon Conceito, para o DNA Urbano

Quando escutei a música rap, inédita até em então para meus ouvidos, eu residia num barraco de madeira de dois cômodos com banheiro do lado de fora. A importância de narrar o cenário é para que os leitores percebam a relevância que o hip-hop teve e ainda tem em minha vida. 

Quando escuto o contador narrando suas adversidades semelhante às minhas, me emociono. 

Pela primeira vez, identifiquei alguém que vinha de uma realidade semelhante  produzindo arte, atuando como artista. Automaticamente me interessei sobre essa cultura popular que nascia no centro daquela pobreza, miséria, que cercava o Brasil dos anos 90. Uma manifestação artística que ecoava o grito dos que nunca foram escutados, além de produzida pelos próprios. Sapiência que ainda nasce das periferias brasileiras paras as periferias brasileiras, com seus limites narrados numa forma própria e estilo de vida peculiar. Sem interferência europeia colonizadora e com o peso de uma ancestralidade, sempre que possível, interditada por aqueles que sempre ditaram o que é cultura. 

É óbvio que essa arte pulsante não colabora para a manutenção das culturas estabelecidas. É uma  cultura subversiva que se contrapõe ao mecanismo normalizador cuja intenção é a de ditar o cotidiano de um morador de periferia. A forma como se enxergava e como nós próprios, negros, nos enxergávamos mudaria a partir do momento em que aquele estilo musical se propagasse e ali desenhasse o porquê do negro morar nos morros e periferias, o porquê de serem pobres e de terem tantos problemas com autoestima. A música denunciava uma dívida nunca paga. 

Enquanto a TV brasileira distraia a gente com suas novelas e suas apresentadoras loiras, olhos azuis (celestiais) e nos domingo, à tarde, nos ensinava a descer na boca da garrafa com coreografias para lá de sensuais, as comunidades escanteadas organizavam-se nas ruas com caixas de som e palcos improvisados, incubando o maior movimento político das periferias do mundo, no Brasil.   

Os vândalos da contracultura sendo violentamente reprimidos pelo poder público, com força policial. Grupos sendo presos em cima de palcos e chacinas acontecendo dia e noite nos becos e vielas das favelas do país. O rap não era considerado música e talvez enfrentava impasses que outras manifestações culturais pretas também enfrentaram no decorrer da história, mas o que mais me indignava era que o mesmo denunciava corrupções, assassinatos e negligências e por esse motivo era intitulado violento.  

Na época eu entendia a violência como defesa, como  ferramenta, e sinceramente pra muitos ainda é a única arma, pois  violência é a morte dos que morrem na porta de hospital sem atendimento, os que morrem em casa ao receber alta por negligencia médica, aos que não conseguem emprego por terem  se atrasado à entrevista porque estavam sendo esculachados por policiais que os tiraram do ônibus após pularem a roleta por não terem dinheiro para a passagem. Violência é ainda,não se comover com os que catam seu lixo antes do caminhão passar, ser condenado à morte por ter pele preta, ser fuzilado por portar uma sombrinha, ser assassinado a caminho da escola uniformizado, ser sufocado até à morte por roubar algo de um mercado por sentir fome.


O autor:
Jhon Conceito aka ''Akiri Conakri''
Atua como educador, diretor de eventos, diretor musical, articulador e agente cultural, compositor, orientador de coletivos de favelas capixabas.
Siga-o no Instagram: @Jhonconceito